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Pandemia pode impor mudança de rumos para a mobilidade

Por Luiz Carlos Moraes

Quando Renato Russo, da Legião Urbana, cantou que “o futuro não é mais como era antigamente”, não poderia imaginar o quão isso soaria perfeito para traduzir o momento que vivemos, em meio a uma pandemia que desafia a humanidade em sua organização social.

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O “novo normal” é uma expressão que já vinha sendo muito utilizada em função das rápidas transformações provocadas pela revolução digital, e que agora ganhou uma conotação mais dramática com a chegada da pandemia da covid-19. Geralmente as mudanças de comportamento e nas relações humanas se dão de forma quase imperceptível, e nos causam espanto quando nos damos conta de que elas estão acontecendo.

Porém, um evento da magnitude desta nova pandemia impõe mudanças comportamentais de maneira imediata. Elas são facilmente identificáveis, deixando no ar apenas algumas questões sobre a sua intensidade após o arrefecimento da crise global de saúde.

Tudo dependerá do nível de controle que a ciência vai impor à propagação do vírus. Se a vacina e os tratamentos forem suficientes para praticamente erradicar esta doença (torcemos todos por isso), teremos quase uma volta aos padrões pré-pandemia. Mas se a vacina for algo parecido com a da influenza, que exige atualizações anuais e sem garantia total de eficiência, teremos mudanças comportamentais mais importantes e perenes.

Como a indústria automobilística trabalha em ciclos de anos para seus desenvolvimentos, essa variável será importante na redefinição de projetos. De qualquer forma, todas as áreas de Inteligência na indústria, no comércio e nos serviços precisam estar extremamente atentas às tendências e demandas que já estão emergindo. Lembrando que o setor automotivo já estava no epicentro de um conjunto de mudanças que afetavam seu modelo de negócios, bem antes da pandemia.

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Voltando ao “novo normal”, alguns fenômenos saltam aos olhos, outros são mais sutis, e alguns só serão percebidos pelas mentes mais aguçadas. O mais óbvio no momento é como o automóvel passou a ser uma célula de proteção em meio à pandemia. Pessoas que têm essa opção, preferem o carro próprio quando precisam sair de casa por algum motivo.

Vemos o Drive-Thru virar opção segura para campanhas de vacinação, testagem de covid-19, compra de refeições e de medicamentos, por exemplo. Empresários mais antenados já projetam o retorno dos cinemas Drive-In, em lugar das salas de cinema lotadas, assim como já estão surgindo eventos religiosos a bordo de veículos.

O temor de aglomerações no transporte público e também do asseio em táxis, carros de aplicativos ou veículos compartilhados é natural nesta fase da pandemia, e pode ter efeitos psicológicos no pós-pandemia. Eles podem até arrefecer com a tão sonhada vacina contra o coronavírus, mas como diz o ditado, “gato escaldado tem medo de água fria”. O medo de mutações deste vírus estará presente por algum tempo, assim como o do surgimento de novas epidemias.

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Divulgação: Leonardo Sousa

Na China, já foi verificado um crescimento nas vendas de carros novos após a reabertura do comércio, pela preferência pelo distanciamento social. Vale verificar se isso se repetirá na Europa, EUA e aqui no Brasil. Mas é evidente que o conceito do automóvel próprio, que vinha sendo questionado nos debates sobre os novos rumos da mobilidade, volta a se firmar como uma alternativa de segurança sanitária.

Da mesma forma, a cultura do “delivery” está ganhando um impulso que me parece ser duradouro, turbinando a demanda por veículos de transporte rápido, sejam de duas ou quatro rodas, incluindo aí furgões e caminhões de pequeno porte. A logística de distribuição pela rede de transporte também se mostra essencial em todos os níveis, um alento para manter o abastecimento em tempos de recolhimento.

Além do transporte individual e dos veículos de entrega, outra megatendência emergente é a da higienização. Isso trará impactos profundos sobre todos os serviços que envolvem veículos em geral: concessionárias, lava-rápidos, oficinas, estacionamentos, manobristas… Protocolos rígidos de limpeza dos carros após o serviço serão mandatórios para não afugentar clientes.

Fabricantes também deverão estar ainda mais atentos a essa questão da higiene no desenvolvimento de veículos. Isso vale desde a escolha de materiais de revestimento que facilitam a limpeza (mais lisos e impermeáveis) até itens de série como filtro de pólen no sistema de ar-condicionado, ou acessórios que ajudem na limpeza caseira dos veículos.

Até mesmo as megatendências que dominavam as discussões do setor automotivo terão de se adequar às novas regras de conduta social e à capacidade de investimento dos fabricantes. Falo de eletrificação, automação, conectividade e compartilhamento, esta última claramente em xeque.

Obviamente, os fabricantes de caminhões, vans e ônibus também terão de atentar a cuidados específicos que ampliem a confiança de seus motoristas e usuários. Pesquisas aprofundadas passam a ser fundamentais para aferir os desejos e temores dos consumidores no pós-pandemia.

O setor automotivo, que há mais de um século se notabilizou por antecipar tendências de consumo, tem todos os instrumentos para traduzir e operacionalizar as necessidades de mobilidade na era pós-pandemia. O momento é de arregaçar as mangas, pesquisar, perseverar, colaborar e trabalhar.

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 Luiz Carlos Moraes é presidente da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (ANFAVEA)

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